Corneta do RW

Os três centroavantes e a mulher do Rocha

A redação do blog adotou a mesma programação de trabalho que o Imortal nas ‘datas FIFA’. Por isso, publica hoje post terceirizado do banco de colaborações voluntárias ao blog.

A mulher do Rocha

por Sérgio Fantino

Desde que o Júnior se casou com uma carioca, todo final de primavera a turma se encontrava no Rio de Janeiro.

Depois da segunda vez, transformaram o encontro num evento anual do calendário oficial da Secretaria de Excursões do “PEPI”, que existia desde os tempos do colégio Julinho, de Porto Alegre, como time de futebol de salão, o esporte que os veteranos se negavam peremptoriamente a chamar, segundo a nova nomenclatura, de ‘futsal’.

O pepi tinha nome completo: Esporte Clube Pentola Piccola – que quer dizer “panelinha” em italiano, segundo os rudimentos que o Ferrari tinha aprendido com a nonna Angelina.

Naqueles idos meados de dezembro, o grupo cumpria uma vez mais o cronograma de todos os anos.

Tinham viajado em grupo, menos o Glauco que teve problemas com a mulher depois de chegar em casa, pela segunda vez seguida em pouco mais de um mês, com o colarinho manchado.

Glauco José! – uso dos dois nomes = fúria – Que manchas são essas, de novo???

– Ah…môzinho, acho que foi o chocolate da máquina de café do escritório outra vez…mas umedeci com álcool na hora para não estragar a camisa, como você me ensinou!

Não tem môzinho, nem môzão! Estas manchas não são marrons. Este tom é “NUDE”, Glauco José! E “nude” não é cor de achocolatado, é cor de batom, seu cínico descarado!!!

Mesmo sem o Glauco, a comitiva era suficiente para ocupar duas mesas do “Alcachops“, em Copacabana.

Naquela noite, quando o Marcão já estava com dificuldade de avistar os demais por trás da pilha de bolachas de chope, se ouviu a voz dele meio abafada:

– Marquei com um ex-colega de trabalho, que está morando em Niterói, para a gente se encontrar. Daqui a pouco ele aparece. Grande sujeito! O cara que cantava com o melhor falso-inglês das nossas noitadas de rock lá na Quarta Colônia!! Vocês vão gostar dele! Bom de música e bom de copo!!

A informação foi saudada com pouco interesse, porque já começavam a enveredar pela eterna discussão sobre quem tinha sido o melhor centroavante gaúcho nos anos setenta do século passado. Eles continuavam divididos, como sempre, em números idênticos: dois votos para Alcindo; dois para Claudiomiro e dois (um deles era do ausente Glauco) para Bebeto, “o Canhão da Serra”.

Quando o Marcão se deu conta que o amigo estava demorando, pensou que talvez, de lambuja, ele pudesse desempatar aquela celeuma cristalizada no tempo. Em seguida, lembrou que o Rocha não entendia nada de futebol.

Nesse justo momento, despontou um casal no deque do botequim. Na frente, um sujeito com traje esportivo e logo atrás dele uma deusa helênica que se deslocava há dez centímetros de altura do piso de madeira modulada, deslizando como uma onda antes de chegar à praia.

Enquanto o Marcão se levantava de braços abertos e saudava o recém-chegado com um sonoro e carinhoso “Rocha, seu calavera! Há quanto tempo…!!“, a turma tratava de juntar os queixos caídos sobre a mesa depois de avistarem a acompanhante.

Comparações chulas e metáforas sofisticadas zuniam nas mentes de todo o esquadrão do “PEPÍ”: “…os lábios da Scarlett Johansson… “; “…os olhos da ‘Vênus saindo do Mar’ de Ticiano…“; “…o busto da Ellen Roche…”, “…a voz da Íris Lettieri…”. Esta última “referência” por certo não foi do Rafael, filho do Luis Fernando que, com pouco mais de vinte anos, nunca tinha ouvido falar da “voz do aeroporto”.

O Rocha, como dissera o Marcão, era, de fato, um figuraço. Mas pouco conseguiu ser visto e ouvido pelo grupo.

Todos mergulharam numa espécie de torpor, quase uma melancolia. Era como se fosse possível se ouvir os próprios pensamentos da turma entre as risadas, as brincadeiras sobre a rodada saideira e a música ao vivo que iniciara ao fundo:

“vou ligar pra casa e dizer que depois de uma luz que vi sobre o Corcovado me converti ao zen budismo e resolvi viver para sempre na Floresta da Tijuca”;

“vou mandar um e-mail pra firma e dizer que recebi uma proposta irrecusável pra trabalhar em São Gonçalo”;

“depois do fora da Maria Carmem, nunca pensei que ia me apaixonar outra vez na vida”.

E assim por diante, de devaneio em devaneio, até que todos saíram dos respectivos transes ao ouvirem a alegre despedida do Rocha, piscando o olho e dizendo que ainda tinha um outro compromisso naquela noite, quando chegasse em casa…

Atravessaram a madrugada, se revezando na exclamação dezenas de vezes repetida: “Que mulher, com todo respeito, meus amigos, que mulher!!“.

Só saíram do bar quando perceberam que um garçom estava começando a virar uma cadeira sobre a mesa, com o Rubens ainda sentado nela.

Desde então, passadas já vinte edições daquele encontro primaveril na Cidade Maravilhosa, à eterna polêmica dos antigos ‘número nove’ se somou outra questão pétrea; o ponto fixo da pauta anual que os amigos chamam pelo clichê “a pergunta que não quer calar…”:

– Por onde andará a essas horas a mulher do Rocha?

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